sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As incríveis peripécias do inacreditável Zezico

 José Gonçalves Mendes, conhecido como Zezico, sempre gostou de fazer negócio. Sua esposa, Dona Geralda, contava que ele sempre saía de casa com um chapéu novo e voltava com um chapéu velho. Às vezes saía de manhã com uma bota nova e dali a pouco já voltava com um par de botas velhas e alguns trocados. Ela ficava uma fera com isso.

Aos 27 anos, Zezico mudou-se para Santa Rita com sua mulher e 8 filhos. Por volta de 1962, o negociante comprou a casa do Senhor Manoel Bernardes, no final da Rua Silvestre Ferraz e começou a negociar veículos no terreno ao lado. Por ter adquirido um amplo espaço que também servia de estacionamento, muitos moradores de rua fizeram de sua casa uma espécie de hotel sem taxa de hospedagem. Alguns deles, tornaram-se lendários por sua originalidade e faziam do estacionamento uma espécie de ponto de encontro de caricaturas santarritenses. 

Quando Jeffinho, filho de Zezico, deixou seu quatro que ficava na entrada do estacionamento para morar no casarão ao lado com a sua esposa, logo a querida Tianinha passou a ocupar o espaço, junto com um cachorrinho de estimação conhecido como Zezinho. Ela repartia toda a comida que ganhava com o cãozinho e dormia abraçada com ele. 

Personagens que todo santarritense conhece
A querida Tianinha
O conhecido Elzo, ex-gerente de banco que perdeu todas as suas posses no decorrer da vida, também foi um assíduo frequentador daquele universo. Havia, entretanto, alguns personagens folclóricos que eram provisórios, dentre eles: o Dito Cutuba, que montou uma barraca debaixo da Jaboticabeira, o Canário que hoje vive em São Paulo e o famoso Pedro. O Marote, não raramente, também escolhia o estacionamento para tirar uma pestana ou dormir o sono dos justos. Ao todo, mais de 10 figurinhas ocupavam o local ao mesmo tempo. De vez em quando, Dona Geralda acordava de manhã para bater roupa e tinha que esperar a fila de hóspedes terminar de lavar o rosto em seu tanque. O mais interessante é que os donos da casa nunca reclamaram ou sentiram-se incomodados. Por outro lado, um dos hóspedes chegou certa dia para Zezico e falou: “Vou embora daqui! Esse lugar tá muito bagunçado!” De certa forma, as reivindicações de Elzo faziam sentido. Naquele estacionamento surreal não habitavam apenas algumas das figuras mais queridas que já pisaram em Santa Rita do Sapucaí. Diversos animais, das mais diferentes procedências, também foram acolhidos por Zezico e eram tratados como verdadeiros filhos pela família. Jefinho conta que, certa vez, seu pai ganhou um porco, levou pra casa, mas ficou com dó de matar. Passou a engordar o bichinho. Testemunhas confirmam que enquanto ele realizava seus negócios no escritório, o porco ficava ao lado de sua mesa enquanto Zezico o coçava. Outro habitante da casa era um galo índio que era um verdadeiro veneno. Reza a lenda que o bicho não podia ver alguém abaixar pra ver um veículo que já descia as esporas, sem dó nem piedade. O pior é que ele não respeitava nem os donos da casa. Dona Geralda já chegou a perder as sandálias enquanto corria desse verdadeiro capeta. Outro animalzinho que dividia o espaço com unhas e dentes era o cãozinho Muqui. O vira-lata até que era pacato e conseguia passar meio despercebido no local. Sua estratégia de invisibilidade estava indo muito bem, pelo menos até a chegada do macaco. Sim, o macaco!  O bicho, que foi dado a Zezico como pagamento em uma de suas barganhas, não dava um segundo de sossego, nem para Muqui e nem para os vizinhos. Era comum vê-lo descer a escada montado no vira-lata ou ser acusado de revirar os pertences da vizinhança. O mais interessante de tudo era que, apesar de toda essa movimentação, a harmonia triunfava no fabuloso reino de Zezico. 
O amigo Marote também tirava um cochilo na casa de Zezico.
Com o passar dos anos, os negócios aumentaram e as viagens para as cidades vizinhas também. Na época, o negociante tinha mais de 150 carros, guardados em uma chácara localizada ao lado do atual Cempaac. A própria chácara era outro local inusitado. Dentro da represa tinha Jacaré, um quati ficava solto no mato e até uma onça se movimentava em uma jaula.

Os aviões


Os negócios iam tão bem que Zezico chegou a comprar dois aviões Cessna. No início, ele contratou um piloto de 70 anos que o levava para suas viagens. Depois, Zezico aprendeu a voar e com apenas uma semana de aula já estava pilotando sozinho as aeronaves. Como ele não sabia utilizar muito bem os instrumentos de navegação, ia pelo jeito mais fácil: sobrevoando as rodovias até chegar ao destino. Quando as estradas eram muito sinuosas, o avião também acompanhava o trajeto. Tudo bem, não era o jeito mais fácil, mas era o jeito que Zezico sabia. Conta-se que certo dia, um amigo pediu para que ele o ajudasse a realizar seu maior sonho: passear de avião. No entanto, tinha apenas um probleminha: ele morria de medo de altura. Para resolver esse dilema, Zezico deu uma nova com a aeronave sem sair do chão. Ao terminar o passeio, ouviu a seguinte frase do homem: “Andar de avião é mesmo uma gostosura!”

Mais pesado que o ar

Nem tudo eram flores na vida do nosso herói. Um dia, seu avião perdeu o controle e caiu com tudo sobre um milharal. Nem por isso ele perdeu a confiança naquele bicho de asas. Por incrível que pareça, seu único acidente grave foi de carro.
Zezico e seu neto em uma de suas únicas fotografias.
Montanha russa

Com a mesma velocidade com que Zezico ganhava dinheiro ele também perdia. Segundo contam seus conhecidos, a única coisa que ele nunca perdeu foi o bom humor. Se tinha dias em que ele voltava para casa com malotes de bufunfa, em outros pousava em sua chácara com inúmeros prejuízos e um longo sorriso nos lábios. Há quem diga que ele nunca ligou muito pra dinheiro. Apenas ia tocando o barco. Jefinho conta que uma vez ele vendeu um caminhão para um homem e, quando foi receber, percebeu que o coitado havia perdido tudo e estava morando com os filhos na boléia. Zezico perdoou a dívida na hora e nunca mais tocou no assunto. Em outra ocasião, comprou um caminhão que vendia abacaxis, mas com um detalhe: o veículo estava carregado da fruta. Ele passou o resto do dia distribuindo a mercadoria entre a população da cidade.

A pedreira

Outra investida de Zezico foi uma pedreira que comprou na entrada da cidade. Como era de praxe, seus funcionários já tinham interrompido o trânsito na rodovia e começado a dinamitar a montanha quando perceberam que um casalzinho de namorados estava no meio das pedras. Foi um Deus nos acuda. Tiveram que parar tudo e bater atrás da dupla de peladões que, completamente desnorteados, começaram a correr em direção às explosões.

A vaca

Talvez a história mais inacreditável de suas aventuras foi quando ele foi de jipe para uma fazenda fazer negócio e recebeu uma vaca de troco. Sem saber o que fazer para trazer o animal, não teve outra alternativa senão colocar o bicho sentado no banco de trás e tocar para Santa Rita. Quem viu a cena, até hoje jura que não acredita no espetáculo surreal presenciado naquele dia.
Adeus

O estimado José Gonçalves Mendes faleceu no dia 15 de agosto de 1988. O homem, que raramente ficava doente, não aguentou muito tempo quando uma enfermidade o atacou repentinamente. Com ele, findava uma das experiências mais ricas e interessantes vividas por um habitante de nossa cidade. No entanto, através das lembranças de seus filhos e amigos, fica a saudade daqueles que o conheceram e a nostalgia dos que não tiveram a feliz oportunidade de conviver com essa grande figura.
(Carlos Magno Romero Carneiro)

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