sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Quando o Sul de Minas entrou em Guerra - Revolução de 1932

Antes do conflito

Em 1930, uma revolução derrubava o governo dos grandes latifundiários de Minas Gerais e São Paulo, que ficou conhecido como “Política do Café com Leite”. Getúlio Vargas assumia a presidência do Brasil em caráter provisório, mas com amplos poderes. Todas as instituições legislativas foram abolidas, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais. Os governadores dos Estados foram depostos. Para tais funções, Vargas nomeou diversos interventores.
Mineiros param a guerra para bater um rango.
 A revolução

A Revolução de 32 foi um movimento armado liderado por São Paulo que teve duração de três meses e que tentou reunir forças de vários estados brasileiros para impedir a continuação do governo provisório de Getúlio Vargas, instaurado em 1930. A exigência dos paulistas era que uma nova constituição fosse criada e que o  país voltasse a ser uma democracia. Esse conflito ficou marcado como o maior confronto militar brasileiro no século XX. Estatísticas oficiais apontam 830 mortos, mas estima-se que centenas de pessoas morreram sem constar nos registros oficiais.
Minas toma parte do conflito

Quando a revolução começou, Minas não se opôs ao governo. Desde então, diversos reservistas foram mobilizados para conterem o levante e alguns santarritenses estavam entre eles.
Continência à Bandeira no batalhão de Pouso Alegre.
Um jovem voluntário

Em março de 1932, o jovem conversador e bem humorado Antônio Lemos Carneiro alistava-se como soldado do Oitavo Regimento de Artilharia de Montanha, em Pouso Alegre. Naquele momento, o inexperiente reservista, que havia passado a maior parte de sua vida em Santa Rita, tomava parte em um dos momentos mais tensos da história brasileira e preparava-se para mudar completamente a sua vida.
Antônio fura com o cigarro uma foto em que aparece com a cara inchada por uma dor de dente.
Soldado Carneiro

Quando ingressou no exército, durante a revolução, o garoto Antônio, passou a se chamar Soldado Carneiro. Por haver trabalhado na primeira companhia de telefonia de Santa Rita, Antônio foi uma figura relevante no período em que tomou parte da revolução. Sua função era fazer com que seu grupo se comunicasse com o restante do batalhão, além de realizar reparos nos aparelhos elétricos do exército -  tudo isso debaixo de chumbo.

Os primeiros conflitos

De 9 de julho a 10 de outubro, Antônio tomou parte das operações de guerra contra os chamados “Rebeldes Paulistas”. Como o sistema de comunicação era precário, sua estratégia para se comunicar com os outros pelotões era usar as cercas de arame farpado das fazendas como condutores elétricos. No decorrer dos confrontos, o reservista carregava também, nas costas, um rolo de fios que ia desenrolando à medida em que o pelotão avançava. Naquele mesmo período, a quinta bateria desembarcou em Itajubá para realizar diversas operações militares e alojou-se no prédio do Grupo Escolar. O objetivo era impedir que os paulistas adentrassem a região através das linhas férreas e das estradas de rodagem. Em um determinado momento, os dois exércitos chegaram a ficar a menos de 550 metros de distância. O interessante é que, pela proximidade dos adversários, os soldados passaram a trocar insultos e a contar piadas uns aos outros.  Antônio disse que aprendeu dezenas de piadas de mineiro, ouvindo os paulistas berrarem impropérios dentro das trincheiras, construídas nas redondezas de Borda da Mata. 

No final de julho, Antônio foi designado a partir com sua bateria em direção ao Morro da Vendinha (Bairro São João), em Pouso Alegre, a fim de conterem a aproximação dos rebeldes. Nessa viagem, o comandante perguntou se tinha algum soldado que sabia dirigir para que pudesse levar os superiores até o quartel. Para fugir da marcha, Antônio aceitou a missão sem nunca ter dirigido na vida. Felizmente, apesar de sair da estrada diversas vezes e de dar uma pequena “raspada” em um barranco, nas proximidades de Santa Rita, os comandantes chegaram sãos e salvos. Desde então, o soldado Carneiro ganhou uma nova especialidade.
Paulistas são capturados e levados ao batalhão.
Na linha de fogo

Às vinte e duas horas, do dia 20 de julho de 1932, o grupo abriu fogo contra os rebeldes que já estavam em Pouso Alegre. Segundo foi relatado em seu diário militar, “apesar do fogo dirigido pelo adversário, o grupo manteve sua posição”.
Quando as tentativas de invasão a Pouso Alegre foram contidas, o grupou embarcou na estação daquela cidade com destino às zonas de operação do eixo Ouro Fino – Jacutinga. A estratégia de Antônio era permanecer sempre ocupado com as comunicações, para que não precisasse chegar perto das armas.

Caganeira militar

Como os adversários já haviam recuado, os mineiros adentraram o estado de São Paulo e iniciaram um confronto em Itapira. Um acontecimento interessante, durante a estada dos mineiros naquela cidade foi que, em comemoração ao êxito do conflito, Antônio comprou uma caixa de limonada purgativa em uma farmácia da cidade, preparou a bebida para os seus companheiros e também para os adversários, promovendo uma caganeira generalizada no batalhão. O grupo teve até que fazer uma pausa de 24 horas para se recompor, antes de partir para Mogi. Nem mesmo o comandante escapou dessa verdadeira guerra intestinal que metralhou, de forma fulminante, ambos os lados.

O relógio

Em Mogi, aconteceu um novo conflito no campo de aviação da cidade. Quando os mineiros renderam os paulistas, iniciaram a marcha em direção à estação de trem. No meio do caminho, um fato gerou  risos e um certo constrangimento entre os soldados. Um dos paulistas havia roubado um relógio enorme durante a campanha e o despertador acabou tocando às 5 horas em ponto dentro de sua mochila. Isso lhe rendeu duzentas flexões de braço e o direito de carregar uma pesada peça da artilharia até a estação.

Segundo pudemos constatar, os mineiros, por onde passavam, iam rendendo os adversários que eram então encaminhados a um campo de concentração em Pouso Alegre. Antônio contou que, quando precisavam recuar, os paulistas puxavam um cabo de aço que desmontava as metralhadoras inteirinhas. Como as peças eram muito pesadas, eles sempre deixavam as armas espalhadas pelo chão e corriam.

Quando os mineiros chegaram em Jaguari, o comandante contratou um fotógrafo para eternizar o sucesso das operações. O único problema era que, ao chegar o retratista, Antônio estava passando por uma terrível dor de dente, com o rosto completamente inchado. Por isso, quando a imagem foi revelada, o soldado furou a fotografia no local de sua cabeça com uma bituca de cigarro para evitar a gozação dos colegas.
Soldados mineiros cavam trincheira em Pouso Alegre.
O fim dos conflitos

Nos dias que se sucederam, a bateria continuou progredindo. Quando os mineiros chegaram a Campinas, os conflitos foram contidos e o grupo embarcou às onze e meia da noite com destino a Pouso Alegre. A chegada ao quartel aconteceu 24 horas depois. Já em “casa”, o Tenente Toscano fez questão de assinalar na caderneta militar de Antônio: “O cabo Antônio Lemos Carneiro, Sinaleiro Telefonista, deu em toda a campanha as melhores provas de sua capacidade de trabalho e conhecimento de sua especialidade. Serviço duro, que foi desempenhado com todo o entusiasmo e dedicação pelo Telefonista que, ora correu linhas para comunicação, ora consertou aparelhos, ora construiu trincheiras, tudo debaixo do fogo inimigo. Sendo assim, citamos o cabo Carneiro pela bravura, calma, pelo perfeito conhecimento de suas especialidades e pelo grande desprendimento e dedicação”.

No dia 28 de fevereiro de 1933, Antônio pediu dispensa do Exército por conclusão do tempo de serviço. Nessa ocasião, o cabo telegrafista recebeu diversas homenagens de seus superiores, segundo é relatado em sua caderneta militar e teve sua conduta muito elogiada. Um dos motivos da admiração dos superiores aos serviços prestados pelo reservista foi o fato de ele ter, já aos 19 anos, grandes conhecimentos de eletricidade, telegrafia e mecânica.

Nota:

Antônio Lemos Carneiro faleceu em Santa Rita aos 78 anos, no início de 1990. No decorrer de sua vida, ele fez grandes amigos e viveu histórias impressionantes. Um homem bondoso, querido e bem humorado que marcou a história de nossa cidade e que, por coincidência, era meu avô. Uma pessoa a quem tanto admiro e a quem dedico esta pequena homenagem.  
(Carlos Magno Romero Carneiro)



9 comentários:

  1. Saudade......"Seu" Antônio!

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  2. Olá. Show de bola esse post Carlos. Parabéns. Acho super interessante esse episódio da nossa história. As fotos são dez.
    Abração.
    Prof. Anderson ( EE"Sanico Teles")

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  3. Parabéns, excelente texto que ajuda a todos os que se interessam pela história desse conflito.

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  4. NOSSA COMO ESTOU IMPRESSIONADA,ESTOU ESTUDANDO SOBRE ESTA GUERRA QUE OCORREU ENTRE MG E SP E ACABO VENDO FOTOS TÃO INTERESSANTES QUE ACONTECEU TÃO PERTO DE NÓS.

    LUCIANA,EJA M2- ESTIVA-MG

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  5. Bom dia a todos
    Sou militar reformado e trabalhei no Sul de Minas, como: Pouso Alegre, Estiva, Cambui, extrema e Monte Sião. Fico feliz em ver estas fotos, epoca sofrida, mas dá saldades.
    Peço a Deus que me dê forças e vida ainda mais para rever muitos colegas que enfrentaram estas batalhas.
    Deus abençoe vc meu caro por estas notícias.

    Francisco

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  6. Domingo último, Natal, após o almoço conversávamos sobre meu avô, daí digitei no Google: "Fotos antigas de Pouso Alegre"... Entre várias fotos da cidade lá estava esta do Batalhão de Pouso Alegre, curiosa cliquei na pequena foto, quando ela apliou, fiquei surpresa e emocionada, meus olhos foram imediatamente no meu avô... ele está logo à frente, o 3º da direita p/ a esquerda, de quepe militar... Minha mãe e tias confirmaram q realmente é ele... Nessa época meu avô já era sargento, e com certeza esse era seu batalhão, ele tocava clarim e pelo q sabemos também trabalhava na administração por ter uma boa calegrafia, visto q antes de entrar p/ o exercito, ele foi seminarista... Se possível gostaria de saber a procedencia desta foto... mariangelafau@yahoo.com.br... Obrigada.

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  7. MEU BISAVÔ TAMBÉM PARTICIPOU DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 ,SERÁ QUE NO QUARTEL DE POUSO ALEGRE,AINDA EXISTE REGISTROS DE RELAÇÃO DE NOMES DE TROPAS DE 1932 .OBRIGADO MEU EMAIL É ramdiegomello@hotmail.com

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  8. BOA TARDE AMIGO MEU BISAVÔ TAMBÉM PARTICIPOU DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932,SERÁ QUE EM POUSO ALEGRE MG ,AINDA EXISTE REGISTROS DE NOMES DE SOLDADOS QUE PARTICIPARAM DA REVOLUÇÃO DE 32 NO QUARTEL .MEU EMAIL É ramdiegomello@hotmail.com

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  9. rita de cassia muniaz17 de julho de 2015 às 08:03

    parabéns pela bravura e pariotismo

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