segunda-feira, 13 de junho de 2011

Jonas Costa conta como foi escrever a biografia da líder negra Maria Bonita

O escritor Jonas Costa fala sobre sua mais recente obra.
Como surgiu a ideia de escrever sobre Maria Bonita?

Em 2008, quando estava no segundo ano de Jornalismo, senti a necessidade de definir o tema de meu trabalho de conclusão de curso. Até então, eu havia estabelecido apenas um critério para a escolha: dar voz a um indivíduo ou grupo social historicamente marginalizado, em âmbito local ou nacional. Pensei em vários temas, mas decidi escrever um livro-reportagem sobre Maria Idalina de Jesus, após ler o artigo intitulado “Maria Bonita, uma fina flor que a cidade acolheu”, publicado no Empório de Notícias em 27 de agosto de 2008. Na mesma edição, fora veiculada uma matéria sobre a Associação Santarritense José do Patrocínio, destacando o papel de liderança de Maria Bonita na comunidade negra. Aquela edição do Empório foi determinante para a escolha do assunto de meu livro. À época, eu pouco sabia acerca de Maria Bonita, mas percebi, imediatamente, que ela pertencia aos grupos mais discriminados de sua época: era mulher em uma sociedade machista, pobre e analfabeta em uma cidade elitista, negra em um país com resquícios da escravidão recém-abolida. Por meio de entrevistas e pesquisas, notei, porém, que nenhuma dessas características consideradas desfavoráveis impediu que Maria Bonita se tornasse uma líder dos negros respeitada pelos brancos.

O que ela representa para o povo santarritense?

Maria Bonita foi uma figura multifacetada e marcante da história de Santa Rita do Sapucaí. Desempenhou muitos papéis na comunidade santarritense: cozinheira, benzedeira, ama de leite da “casa grande” e da “senzala”, mãe de filhos alheios, “juíza de pequenas causas” do povo negro, conselheira de ricos e pobres. Foi líder comunitária, operária, cultural e política. Os afrodescendentes lhe atribuíam poder temporal e espiritual, ainda que não-constituído. Era uma mulher simples com personalidade complexa: religiosa sem beatice; carnavalesca sem extravagâncias; bondosa e enérgica; robusta e delicada. Participava de eventos religiosos e profanos com a mesma naturalidade, pois tinha a consciência limpa.

Maria representa, melhor do que qualquer outra pessoa, os afrodescendentes que ajudaram a construir a cidade, física e culturalmente. Narrar sua longa existência (94 anos) é falar de uma cidade em transformação, onde o racismo e o preconceito de classe diminuem em ritmo muito lento. A atuação de Maria Bonita foi decisiva para que Santa Rita fosse menos preconceituosa.

Que obras Maria Bonita empreendeu que revolucionaram a nossa cidade?

A maior contribuição de Maria Bonita para a história de Santa Rita foi a institucionalização do espaço dos negros na cidade. Os negros eram meros espectadores do carnaval burguês até 1932, quando Maria Bonita e alguns amigos criaram o cordão carnavalesco Mimosas Cravinas, formado por afrodescendentes, principalmente da Rua Nova. Como o Clube Santarritense não admitia negros em seus bailes, um grupo liderado por Maria Bonita decidiu transformar as Mimosas Cravinas em clube recreativo dos negros, originando, em 1944, a Associação Santarritense José do Patrocínio. A entidade surgiu no momento em que o associativismo negro crescia no Brasil – esse movimento foi classificado pelo sociólogo Florestan Fernandes como “revolução dentro da ordem”. Entendo que Maria Bonita foi revolucionária nesse sentido, pois era politicamente pragmática, ligada à conservadora UDN, mas sabia alterar o sistema vigente, pois o conhecia por dentro.

Quais eram as grandes paixões de Maria Idalina?

O carnaval foi uma das grandes paixões de Maria Bonita. Ela esperava ansiosamente, o ano todo, pela repetição do ritual pagão de desfilar com o estandarte das Mimosas Cravinas em suas mãos calejadas. Na velhice, sambou até com o pé machucado. Quando suas pernas já não tinham mais força para pular carnaval, ela desfilou sentada em carros alegóricos das escolas de samba Sol Nascente e Azul e Branco. Ela apreciava também os bailes e outros eventos do clube dos negros, do qual cuidava como se fosse sua própria casa. Maria gostava também de futebol. Era flamenguista e recebeu na Associação José do Patrocínio, em 1955, uma visita dos atletas do rubro-negro carioca. Ela era apaixonada, sobretudo, pela vida e pelo povo santarritense.

O que chamou mais a atenção nas descobertas sobre ela?

Inicialmente, pensei em escrever um livro que se restringisse à vida de Maria Bonita e à história da Associação José do Patrocínio. Na medida em que avançavam minhas pesquisas, percebi que a atuação de Maria Bonita foi muito mais ampla e que seria impossível tratar de sua vida sem descrever a trajetória da comunidade negra santarritense. Chamou minha atenção o fato de Maria ter sido tão dinâmica fora de casa, mesmo tendo sete filhos biológicos para criar e muito trabalho culinário a fazer. Apesar da carência financeira, ela não deixava de praticar atividades caritativas, repartia o pouco que tinha com muitos necessitados. Acolhia pessoas com problemas financeiros ou de saúde, crianças órfãs, amigos de parentes, parentes de amigos... Em suma, os traços mais marcantes de Maria Bonita, para mim, foram a laboriosidade e o altruísmo.
Maria Bonita se reúne com amigos e familiares em seu restaurante.
Conte-nos alguma passagem sobre Maria Bonita.

Reproduzo, abaixo, alguns trechos do livro: “O papel de destaque de Maria no carnaval chamava a atenção de turistas e santarritenses radicados em outras cidades, que visitavam Santa Rita para conhecer ou rever a entusiasmada porta-estandarte. Em uma dessas ocasiões, foi convidada a sambar no carnaval carioca, mas, segundo sua sobrinha Biica, recusou de pronto: “Não, o Rio é aqui mesmo. Se o Rio me merece, Santa Rita merece muito mais”. A escritora santarritense Cecy de Almeida, estabelecida em Guaxupé, conta que sua filha caçula, Maristela, se encantou com a líder das Cravinas, a quem apelidou de Maria Alegria.”

“(...) a preocupação principal de Maria Bonita nunca foi enriquecer. Há sobejos casos que comprovam seu altruísmo. Um deles, até hoje repetido pela família, envolve o garoto pousoalegrense Luiz Carlos, que, sem recursos financeiros, pensou em interromper seus estudos na ETE. “Não, meu filho. Por causa de comida você não vai parar”, reagiu Maria, segundo seus descendentes. Ela fez sua parte para impedir a desistência do rapaz estudioso, alimentando-o sem nada cobrar até a formatura.”

“Cuidando de meninos simples, Maria Bonita conheceu celebridades. A atriz Vida Alves é o melhor exemplo disso. Seu filho mais velho, Heitor Ernesto Gasparinetti, parecia apenas mais um garoto de origem humilde, pois se comportava como tal entre seus colegas da ETE, onde estudou de 1968 a 1970. Aguardava pacientemente sua vez de se servir na cozinha de Maria, ao passo que outros estudantes famintos se acotovelavam para comer primeiro. (...)

Certa vez, em 1968, Heitor contou aos amigos que receberia a visita de sua mãe dali a poucos dias. “A rua lotou”, sintetiza uma das netas de Maria Bonita, Nelma Benedita Marcolino Donoso, ao rememorar aquele acontecimento inacreditável. Vida Alves – famosa por protagonizar com Walter Forster o primeiro beijo da teledramaturgia brasileira, na novela Sua vida me pertence (1951) – foi recebida com um efusivo abraço por Maria, emocionada por conhecer a ilustre visitante. Revelando uma simplicidade surpreendente, a atriz almoçou naquela modesta residência, atraindo centenas de fãs à Rua Coronel Erasmo Cabral. “Cheguei a almoçar na casa de Maria Bonita, mas o que me lembro mais é de seus biscoitos de polvilho. Eles eram os meus preferidos”, revela a atriz, aos 82 anos.”

“Benzer era coisa séria para Maria, mas não ofuscava seu bom humor. Serve de exemplo outro benzimento, desta vez para acalmar um moleque levado: Wagner Matragrano (Gaiola). Sua mãe, Maria Luiza, estava angustiada por assistir a uma “arte” atrás da outra e, por isso, convocou Maria para benzê-lo em casa. Na porta da cozinha, a benzedeira colocou a mão sobre a cabeça do garoto, que a olhava assustado. O susto foi ainda maior quando ela parou de rezar para colocar a outra mão dentro da própria boca: “Espera aí, está tão forte que eu preciso tirar a dentadura, senão vou engolir”. Com lábios murchos, prosseguiu a oração.” 
Sinhá Moreira, Maria Bonita, Deputado Carlos Lacerda, Dalila e o governador Magalhães Pinto.
O que você aprendeu com  Maria Bonita?

Pesquisar sobre a vida de Maria Bonita e a trajetória dos negros santarritenses me ajudou a compreender melhor a história da cidade, que, infelizmente, tem a nódoa do racismo. O livro narra várias passagens em que cidadãos negros foram discriminados, humilhados, tratados como cidadãos de segunda classe. Por outro lado, a existência de Maria Bonita confirma que o perdão e o desprendimento só competem aos seres nobres – não no sobrenome, mas na alma.

Sobre a obra:

O livro-reportagem A rainha operária e sua colmeia negra é resultado de dois anos de intensas pesquisas, 77 entrevistas e consultas a exemplares de 23 periódicos publicados entre 1874 e 2010. O livro tem 182 páginas e 58 fotos, divide-se em 10 capítulos e é prefaciado pelo sociólogo Yago Euzébio Bueno de Paiva Junho.

Número de páginas: 182
Peso: 272 gramas
Edição: 1(2011)
Acabamento da capa: Papel Couché 300g/m², 4x0, laminação fosca.
Acabamento do miolo: Papel offset 75g/m², 1x1, cadernos fresados e colados (para livros com mais de 70 páginas) ou grampeados (para livros com menos de 70 páginas), A5 Preto e Branco.
Formato: Médio (140x210mm), brochura com orelhas. 
Acesse aqui para adquirir a obra: 
Link do Clube dos Autores

Esta entrevista é um oferecimento de:

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