quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Quando um siberiano incendiou Santa Rita do Sapucaí

A vinda

Nascido na gelada Sibéria, no dia 10 de agosto de 1876, Jacques Bressler veio para a américa do sul, ainda criança, fugindo de uma guerra civil.  Após um longo tempo de viagem, o garoto e sua família passaram a residir na Argentina, onde trabalharam como agricultores. Desde cedo, seu pai, Marcos Bressler, o ensinou a manejar o arado que castigava impiedosamente suas pequenas mãos. Aos 14 anos, o menino não suportava mais o trabalho semiescravo que desempenhava e decidiu fugir de casa. Acabou escondido em um navio cargueiro, chegando de forma clandestina ao porto de Santos. O rapaz ainda não dominava o português. Não sabia ler e nem escrever. Para não morrer de fome, teve que cair no mundo e se alfabetizar sozinho, vivendo dias de muita dificuldade. Desde então, o siberiano passou a trabalhar como viajante e como agente de jogos e se mudou para Varginha. Foi nessa época que acabou ficando noivo e, de casamento marcado, resolveu trazer sua futura mulher para uma viagem que faria a Santa Rita.
 
História de cinema

Ao chegar, Bressler deixou suas malas no hotel e foi até o cinema assistir a um filme. Naquela época, o antigo Cine Theatro Santa Rita possuía dois andares. No térreo ficava a "geral" e, no piso superior, os camarotes. O viajante optou pela área reservada e, lá de cima, teve uma visão que mudaria a sua vida para sempre. Havia entre os expectadores do primeiro pavimento uma jovem que o deixou completamente apaixonado. Desde então, ele não conseguiu tirar os olhos dela. Ao chegar ao Hotel Mello, Bressler não teve outra alternativa: desmanchou o noivado imediatamente e avisou o dono do estabelecimento que estava se mudando definitivamente para Santa Rita. A moça que passou a fazer parte de seus sonhos chamava-se Antonietta Bruzamolin - uma filha de imigrantes italianos que, como ele, haviam deixado sua terra natal em busca de dias melhores no novo continente.

Na semana em que se instalou em Santa Rita, Bressler tratou de expor suas intenções aos pais de seu novo amor. Para seu desapontamento, José Bruzamolin e Olívia foram contra a união de Antonietta com o desconhecido. No entanto, o rapaz não desistiu de seu intento. Alguns dias depois, Bressler acabou adoentado, vítima de uma gripe mal curada. Entregue no leito do Hotel, o rapaz disse ao doutor Antenor que pedisse a Antonietta que o procurasse. Era seu grande desejo vê-la antes de morrer. Ao receber a notícia, a moça resolveu fazer o gosto do siberiano. Desde então, o amor do viajante passou a ser correspondido por aquela que, dentro de poucos meses, viria a ser a sua esposa, mesmo sem o consentimento dos pais. Da união, nasceu a única filha do casal, Maria Nazaré Bressler. Com sua família estabelecida na cidade, o rapaz encontraria em Santa Rita um lugar em que se tornaria amado

Talvez pelas dificuldades que encontrou desde o nascimento, Bressler sempre gostou de viver a vida com intensidade. O fato de ter passado muitos anos solitário, fez dele um homem sedento por novas amizades e sua intenção era sempre levar alegria por onde passava. Por conta disso, todos os movimentos sociais que aconteceram na cidade, desde então, passaram a contar com a sua colaboração e empenho. Jacques era apaixonado por grandes eventos. Essa característica peculiar fez dele uma espécie de referencial para tudo o que acontecia por aqui.
 
Os clubes
 
No decorrer da vida, Jacques Bressler foi presidente dos principais clubes e associações de Santa Rita. Esteve presente na diretoria do Clube Santarritense, do Centro Operário e da Associação José do Patrocínio. Maria Bonita, grande líder do movimento negro no Século XX, tinha um enorme apreço pelo Siberiano e, sempre que precisava de apoio em alguma de suas empreitadas, recorria a ele para conseguir amparo ou patrocínio.

O futebol 
 
Como ninguém é perfeito, Bressler era um flamenguista doente. Em seu quarto, tudo era ornamentado com o brasão do clube de regatas. Sua fixação era impressionante. A almofada em que sentava tinha que ser vermelha e preta, ele só bebia em uma caneca flamenguista e até chegou a criar um time local chamado Flamengo para homenagear o clube carioca.  Apesar de todas as demonstrações de apreço pelo Mengão, certa vez ele se superou ao trazer o time titular para jogar em Santa Rita. Para dar o chute inicial, convidou Sinhá Moreira que também era muito sua amiga e que sempre o apoiava na promoção dos eventos.
Carnaval

Se o carnaval pode ser considerado o símbolo máximo de nossa expressão cultural, Bressler não poderia ficar de fora. Ao lado de seu grande amigo, Antônio Junqueira, o viajante ajudou por muitos anos a colocar o Democráticos na rua. Mal chegava fevereiro, o rapaz já pegava no batente e colaborava como podia para ver seu bloco brilhar.
A.S.A.

Dentre todos os projetos que tiveram a participação dessa grande figura, talvez sua maior colaboração tenha sido na criação da A.S.A., a Associação Santarritense de Atletismo. Nos anos em que a agremiação esteve na ativa, inúmeros foram os prêmios conquistados por nossa cidade. Desde então, Santa Rita passou a ser considerada como uma potência esportiva. Na região, não havia um único time que desbancasse aquele poderoso grupo local que chegou a conquistar o vice-campeonato estadual de vôlei feminino.

Bon vivant

Sim! Jacques Bressler era mesmo um bom vivant, isso é inegável. No entanto, sua sede de vida fez dele uma das criaturas mais importantes de nossa cidade em todos os tempos. Somente quem conviveu com ele, para saber o quanto sua alma era boa e caridosa. Para ressaltar seus inúmeros exemplos de entrega ao próximo, em um tempo em que, reza a lenda, os sinos da igreja batiam - mais ou menos - de acordo com a importância do finado, Bressler chegou a patrocinar uma tarde de sinos para um amigo morto a fim de realizar o seu inusitado "último pedido". Na verdade, sua intenção era mostrar que não existem diferenças entre as pessoas. Para ele, na cidade que o acolheu como filho, todos eram seus irmãos e mereciam a mais profunda consideração.
A despedida
Se Bressler espalhou alegria por tantas décadas, tão profunda foi a tristeza no dia 4 de abril de 1980 quando, aos 84 anos, partia este ser tão ilustre e benquisto. Naquela tarde, a cidade ficava órfã de um homem que a amou demais. Hoje, ao relembrarmos sua trajetória, a saudade bate à porta e sentimos a falta desta criatura tão intensa que movimentava como ninguém a pacata Santa Rita. Bressler se foi, mas aprendemos com ele que a vida é curta demais para ser pequena.

Por Carlos Magno Romero Carneiro
(Texto baseado nos depoimentos de Antonietta Bruzamolin, neta de Jacques Bressler)

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