quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Viagem a Santa Rita de 1874

Apertem os cintos

Se o distinto leitor pudesse entrar, hoje, em uma máquina do tempo e voltar à segunda metade do século XIX, provavelmente não reconheceria imediatamente o local. Isto porque, por volta de 1874, a freguesia de Santa Rita da Boa Vista dava seus primeiros passos e buscava recursos das maneiras mais primitivas possíveis. Naquela época, ainda não havia os tradicionais cafezais que contornam o vale. A principal fonte econômica da cidade era a plantação de fumo e a produção de toucinho. A venda de porcos também movimentava a economia desta região, onde os correios só passavam de três em três dias.

O comandante das redondezas era o comendador Custódio Ribeiro: um dos 11 eleitores que a freguesia possuía e que votava no colégio de Pouso Alegre. Cabia a ele as funções de Juiz de Paz, Subdelegado e Diretor da primeira Banda de Música da Cidade. Sua fonte de renda era a fazenda do Balaio: único ponto de referência de nossa cidade no mapa mundi da época. Antes de vir para a região, Custódio era soldado da corte portuguesa e recebeu o título de “Estribeiro Mor do Imperador”. Da corte veio seu gosto pela música e o seu desejo de criar uma banda para a cidade. De sua importância como lavrador, vinha o poder para manter a freguesia em ordem. Quase tudo girava em torno de suas decisões.

Vale dos engenhos

Em um tempo em que a extração do ouro era comum nas redondezas, cabia ao senhor José Geraldo da Costa a função de compra e venda do minério. Engenhos de cana havia doze. Cinco deles, movidos a água. No entanto, o mais interessante, eram as engenhocas criadas por um importante lavrador, que, por acaso, também era padre chamado Joaquim Daniel Leite Ferreira. As máquinas que criava sempre deixavam os santarritenses de boca a-berta.

Dois sapateiros, um dentista

No tempo do João Onça tudo era muito distante e de difícil acesso, mas existiam dois sapateiros na Freguesia. Era deles a missão de reconstruir velhas botinas e produzir outras novas. Já Dentista, só tinha um: Seu Francisco de Oliveira Castelo. Sua função era mais retirar os dentes velhos do que consertar os bons.

Dia de quermesse

Nos dias de quermesse, os fazendeiros deixavam suas propriedades e pegavam o caminho da freguesia. As 108 casas eram construídas em terrenos comprados da paróquia e distribuídas nas únicas cinco ruas da freguesia ou na praça que contornava a velha e castigada Matriz. Mal começavam os festejos, o senhor Carolino Luiz de Almeida já preparava sua pequena corporação musical em frente à igreja. Pouco antes da missa começar, Joaquim Ourives, o fogueteiro oficial da freguesia, iniciava uma salva de tiros que ecoava por todo o vale e avisava os santarritenses que o Vigário Antônio Vieira já estava impaciente para começar a cerimônia. Dentro da igreja, os melhores lugares - mais à frente - eram destinados aos mais endinheirados, dentre eles: o Alferes Custódio Ribeiro,  o Capitão Joaquim Ribeiro de Carvalho e Roque - o filho de Braz Fernandes Ribas - pioneiro de nossa colonização.

Quem documentava tudo durante as festas era o retratista Antonio Português, que cobrava uma fortuna por cada “vista”. Quando a noite caía, quem não tinha residência fixa acabava pousando no único hotel da cidade, de propriedade do senhor Antônio Francisco Vilela.

Almanaque histórico

Em 1874, um almanaque registrou os detalhes da promissora freguesia e acabamos trazendo um deles para compor a história. Era assim Santa Rita da Boa Vista em 1874:

Há no caráter do povo mineiro alguma coisa que vale mais do que esse gênio hospitaleiro apregoado. É a sua boa fé e simplicidade de costumes que há muito fugiu das grandes cidades para se abrigar nas remotas aldeias. Sob este ponto de vista, a freguesia de Santa Rita pode ser colocada entre as primeiras povoações de Minas.

Quem precisar repousar de uma viagem, quem quiser conhecer gente de tempos primitivos, em que a religião e a virtude são os principais deveres do homem, que procure este lugar ameno.

Não é, porém, só com religião e prática da virtude que se preocupa o espírito dos habitantes de Santa Rita da Boa Vista. Eles também são laboriosos e muitos, por apurado trabalho, têm acumulado, na lavoura, grande fortuna.

Compõe-se a população de 108 casas, algumas das quais muito bem construídas, e que formam 5 ruas e uma grande praça onde está colocada a velha igreja matriz. Este templo, de proporções acanhadas, está se arruinando, mas o povo já começou a edificação de um outro mais vasto e com fundamentos mais sólidos. Além disso, está também em construção um cadeia que, após concluída, excederá algumas existentes em importantes cidades.

Há, na freguesia, uma corporação musical que, para sua organização, muito concorreu o Alferes Custódio Ribeiro Pereira. A escola pública existente é frequentada por mais de cinquenta alunos e, além dela, outros estudam com professores particulares.

A cultura principal dessa freguesia é o fumo, cuja exportação anual ultrapassa trinta mil arrobas. Exporta-se também cerca de duas ou três mil arrobas de toucinho, além de mil e tantos cevados que são vendidos vivos.
Os terrenos, em geral, são férteis e dão com abundância todos os mantimentos. Há terra apropriada para a plantação do café, mas esta cultura ainda está muito no começo.

Desta freguesia é filho o reverendíssimo padre João Baptista Freissat, virtuoso sacerdote que está hoje empregado no seminário do Caraça.

Santa Rita da Boa Vista dista 65 léguas da corte; 75 de Ouro Preto; de Itajubá, que é sede do município e da comarca, 7; de Campanha, que é a sede eclesiástica, 11; de Pouso Alegre, 5; e da Estação da Boa Vista, na Estrada de Ferro Dom Pedro II, 25 léguas. A paróquia dá 11 eleitores pertencentes ao colégio de Pouso Alegre e tem qualificados 480 votantes. São eles os eleitores: Alferes Custódio Ribeiro Pereira, Tenente Manoel Ribeiro de Carvalho, Joaquim Ribeiro de Souza Magalhães, Joaquim Cândido Ribeiro, Antônio Cândido Ribeiro, Cândido José Carneiro, Joaquim Ribeiro de Magalhães, Francisco Pinto da Fonseca, Francisco Vilela e Manoel Baptista de Melo. O correio, entre a corte e Pouso Alegre, além de pontos intermediários, passa na freguesia de 3 em 3 dias. É por ele que é feita toda a nossa correspondência.

(Baseado em um almanaque datado de 1874)

Esta reportagem é um oferecimento de:

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