sábado, 3 de março de 2012

A última entrevista de Dom Vaz

O senhor considera o santarritense um povo solidário?

Eles queriam que eu me tratasse no Rio, que eu me tratasse em São Paulo, mas eu preferi aqui, porque o apoio da cidade é uma coisa muito importante. Santa Rita é uma cidade muito solidária. É claro que, como toda cidade, tem suas divergências políticas, tem a divergência sobre quem é Ride ou Democráticos... Antigamente, no futebol, tinha a rivalidade entre o industrial e o Minas Gerais... (risos)

O Senhor tem preferência entre Ride e Democráticos?

Pra falar a verdade eu sou de todos, mas eu tenho uma simpatia especial pelo Democráticos! Primeiro porque a música eu acho mais bonita e depois porque eles são mais jovens, mais alegres. Mas do Ride eu gosto também.

E no futebol?

No futebol, o Botafogo é uma paixão antiga, desde 1938. Na verdade eu gosto de futebol para mexer com os outros e os outros mexerem comigo. É como no Rio. No Rio, se você não fala de futebol e jogo do bicho você não tem assunto! (risos)

A ETE já teve bons times?

Aqui na ETE tinha um time de futebol que era muito bom, só que o Rocha era muito Catimbeiro! Ele fazia umas bagunças e deixava o pobre do juiz doido! O Beni sofria com o Rocha! Ele fazia aquilo de brincadeira! Atualmente eu não tenho acompanhado muito, mas sei que o Santarritense está fazendo bonito. Eu acho que é uma diversão sadia para os meninos. Aqui na escola toda hora eu vejo a criançada chegar para aproveitar o campo.

Os jesuítas aqui na ETE são como uma família, né?

A comunidade dos jesuítas é uma comunidade de idosos. O Padre Jaime e o irmão Salvador são os mais jovens! Mas, ainda sim, somos uma comunidade muito unida, onde não falta nada, graças a Deus. Eu diria que é uma comunidade alegre e que eu prefiro mesmo é ficar aqui.

Como o senhor avalia Santa Rita do Sapucaí hoje?

Eu acho que Santa Rita, hoje, é uma cidade privilegiada. Eu até estava comentando ontem com o Éden que, hoje, o grande problema é a falta de moradia. A cidade está crescendo bem, mas tem faltado casas.
 
Já em política, aqui em Santa Rita do Sapucaí, eu acho que a pessoa mais sábia é o Monsenhor José. Eu já procurei saber em quem ele vota e me convenci de que, daquele mato, não sai coelho! O monsenhor José é uma pessoa extraordinária... (risos)

Conte-nos uma grande emoção que o senhor sentiu na vida.

Uma emoção muito forte foi na morte do padre Raul. Porque o padre Raul foi pra mim um amigo. Eu o conheci em 1942 e ele sempre foi um companheiro muito interessante. Pouco antes de sua morte, eu voltei para Santa Rita e já achei o Raul um pouco diferente. Ele estava preocupado com tudo! Andava preocupado com a violência do mundo, com o envelhecimento dos jesuítas; ele se preocupava com tudo! Ele vinha toda hora me falar dessas coisas e eu comecei a achar meio esquisito! Ele sempre se preocupou com equipamentos da escola e tal, mas depois ele começou a se preocupar com coisas que já não eram do campo dele. Até que um dia ele passou mal e foi levado para Pouso Alegre. Ele teve um Acidente Vascular Cerebral, mas pequeno. O médico dele disse pra não se preocupar, mas isso era impossível! Até que o inevitável aconteceu. Quando eu cheguei em Santa Rita ele já estava em coma, em uma situação muito difícil. Agora, o que me emocionou muito foram os estudantes todos chorando. Foi um momento de muita emoção. No outro dia, ele foi levado para a igreja, mas os alunos e funcionários fizeram questão de carregá-lo. Eu acho que ele nunca imaginou que fosse tão querido.

Como era o padre Raul?

O Raul foi um dos homens mais interessantes que eu conheci. Um sujeito muito engraçado por um lado e, ao mesmo tempo, muito autêntico. Ele era muito autêntico.

Tem algum fato engraçado que o senhor viveu com ele?

Quando ele veio para Santa Rita pela primeira vez, não conhecia ninguém e me perguntou o que poderia fazer para agradar o povo da cidade. Eu falei que para ele agradar as pessoas, ele deveria ser gentil com as crianças. Daí eu dei pra ele um livro sobre psicologia infantil e ele ficou dois dias estudando o livro. Estudou, estudou, estudou. Daí um dia ele me chamou para fazer um teste. Saímos da ETE e passamos por uma casa cheia de crianças. Ele se aproximou de uma delas e, seguindo as instruções do livro falou: (Engrossa a voz) “Qual é o seu nome?” O menino saiu chorando! (Risos)

A Sinhá Moreira era uma pessoa bem humorada ou era uma pessoa séria?

Eu só a conheci em uma conversa de mais ou menos meia hora. Mas o que eu sei é que era uma pessoa alegre, mas autoritária. Uma curiosidade é que ela não gostava de nomes estrangeiros. Quando colocaram o nome de “Country Club” ela ficou muito chateada. Mas era um pessoa que, pelo que a gente sabe de sua vida, era alegre, ativa e participativa. O pessoal que trabalhou com ela sempre fala com muito carinho. E era uma pessoa muito boa. Não podia saber que alguém estava precisando de alguma coisa que ela já ajudava. A verdade é que, aqui em Santa Rita, esse pessoal que está em posição de destaque, deve tudo a ela.

O senhor saberia nos dizer em que momento ela teve a inspiração para que iniciasse seu trabalho por aqui?

A vida dela, até então, era uma vida de viajante. Ela era casada com um diplomata. Quando o marido dela foi exonerado, eles voltaram para São Paulo. Depois de certo tempo ela tomou um ato de coragem, porque naquela época separar não era fácil. Se desquitou dele e voltou para a casa do pai. Daí ela criou a empresa Vista Alegre, que construiu o bairro Vista Alegre e também desenvolveu um trabalho muito bom ajudando os leprosos em Campos de Jordão. Ela ajudava também os estudantes por aqui e começou a se descobrir como uma pessoa que se realizava pelo bem que fazia. O que aconteceu depois foi que ela resolveu consolidar o trabalho com os estudantes, que era o que mais a gratificava. Assim surgiu a ETE.

Como foi sua vinda para a ETE?

Foi em uma época em que a escola estava passando por muitas dificuldades e os jesuítas estavam achando que não conseguiriam tocar a instituição sem a Dona Sinhá. Nessa época, sua doença já estava bastante avançada. Daí me chamaram. Nessa época eu estava indo estudar na Alemanha e me pediram para adiar pelo menos um ano.

E como foi seu encontro com dona Sinhá?


No dia 25 de fevereiro eu fui ao Rio para encontrar dona Sinhá. Ela estava na casa da irmã dela. Nós conversamos uma hora. Ela estava doente, muito mal, e veio a falecer pouco tempo depois, mas tinha muito entusiasmo. Ela me falou: “Eu confio no senhor! Não deixe a minha escola morrer!” E eu respondi: “Pode deixar, dona Sinhá. No que depender de mim eu visto a camisa!” Ela achou graça. Depois disso, eu voltei para Santa Rita. Poucos dias depois, no dia nove, ela faleceu. No dia nove de março vieram muitas pessoas ao sepultamento dela; foi praticamente feriado naquele dia... o bonito foi a presença do arcebispo Dom José, com aquele vozeirão dele. Ele mesmo cantou dentro da igreja.

Santa Rita é uma cidade tolerante em relação às religiões?

Eu sempre achei Santa Rita uma cidade muito tolerante. O Monsenhor José foi um homem que fez um bonito trabalho nesse sentido. É uma cidade religiosa. Aqui na escola nunca tivemos dificuldades. Eu tive aqui, inclusive, funcionários de responsabilidade que não eram católicos. Por exemplo, o Adonias, que é Presbiteriano, foi o primeiro diretor técnico da escola. A ETE sempre deu um apoio especial ao Instituto Presbiteriano de Educação. Nós tivemos também o Miguel Bregeloni, que era pintor. Esse tem uma história interessante. Eu fui ao casamento da filha dele e tive um acesso de riso lá na hora! Foi um caso sério! Mas eu acho que a cidade é muito tolerante. Eu aqui nunca encontrei dificuldades de estar com pessoas de outras religiões. É claro que a gente tem mais afinidade com pessoas da mesma fé, mas isso é uma coisa normal pela convivência.

Oferecimento:

Nenhum comentário:

Postar um comentário