segunda-feira, 21 de maio de 2012

Haidee Cabral fala de um tempo que não volta mais

Mudamos para a casa da Rua Cel. Francisco Moreira, nossa residência própria. Com nossa mudança de endereço, também criamos laços com a vizinhança, laços grandes, de perpétuas amizades conquistadas. A vizinha da frente era Iraci e a do lado a Almeí. O quarteirão era uma farra! Em uma das casas morava o Dr. Mário Brandão, que tinha uns dez filhos, cujos nomes eram interessantíssimos, pois se referiam a filósofos gregos. Sua casa, sempre movimentada, vivia cheia de gente. Meus filhos eram frequentadores assíduos da casa do Dr. Mário, pois era ali o encontro para os jogos de pingue-pongue e vôlei. Logo após a esquina, morava a Dona Geralda Tadine com o marido e seus filhos. Eles possuíam uma empresa de ônibus, instalada onde, atualmente, é a nossa garagem! Imagine que, naquela época, a empresa funcionava com um ônibus só! Fazia a linha Santa Rita, Careaçu, São Gonçalo e Pouso Alegre. Era também uma casa muito animada, pois Dona Geralda tinha muitos filhos e estava sempre com a sala cheia de clientes de costura e amigos da meninada. Na outra esquina, era a casa da Dona Nazaré, minha amiga desde a infância, cujos filhos tinham também a idade dos meus. Eu, sempre muito animada, gostava que as crianças levassem os amigos para brincar em nossa casa. A Lídice e a Ângela, filhas da Almei, estavam sempre com as meninas. Eu, da cozinha,  as vigiava no quintal. Quantas vezes me peguei a rir sozinha da imaginação fértil delas! Como é magnífico ser criança!

Lembro-me que gostavam muito de brincar que eram as mulheres mais importantes da cidade. Cada uma escolhia sua personagem e sempre eram a Dona Nazaré, a Dona Sinhá Moreira, a Dona Alda e a Dona Carminha Moreira. Eu observava a pompa delas, sempre a achar muita graça, mas não falava nada. Um dia, não resisti e perguntei:

- Por que diabos vocês só brincam de ser ricas e importantes?
E bem depressa elas responderam:
- Hoje vamos brincar de ser pobres!

Com o mesmo entusiasmo, começaram a escolher as personagens: a Zelma era a Cabecinha de Paina – uma se-nhora que morava no asilo e que tinha a cabeça toda branca, como algodão. A Zenaide se personificou de “Sá Rozenda”, que também era uma senhora pobre que vivia no Asilo e que andava com um porrete na mão. A Lídice passou a se chamar Maria “Caetanda” – que na verdade era Maria Caetana, mas ela não conseguia pronunciar corretamente. A Ângela escolheu ser a Conceição, que gostava de bonecas e sempre nos pedia para levar uma para ela. Depois de escolhidas as personagens, a brincadeira foi longe. Lembro-me bem da correria das crianças pelo quintal. Zelma, de vez em quando, sumia. Quando me dava conta de procurá-la, estava no cantinho, a brincar com seu fogãozinho montado. Para que as panelinhas não ficassem vazias, depenava minhas samambaias que viravam comidinha. Eu chegava na janela e ela dizia com a ca-rinha mais doce:

- É só uma salambainha, mãe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário