segunda-feira, 14 de maio de 2012

O encontro de Zé Abrão e Getúlio Vargas (Por Ivan Kallás)

Contam que, numa crise do café, os fazendeiros da cidade se reuniram e decidiram ir ao palácio do Catete, reivindicar ações de Getúlio Vargas. Dito e feito, formou-se a Comissão, com as mais ilustres personalidades locais. Alguém resolveu indicar o nome de Zé Abrão, na época tendo o maior comércio da cidade, mas apenas uma pequena fazenda. Ele, a princípio, aprovava a viagem, mas se recusava a ir junto, argumentando: “Ieu num sabi falá direito. Ieu vai atrapaiá o ilustri barticipação di ucêis. Meu sítiu é piquinin, só broduz um boco di banana i café. Vão ucêis qui são mais imbortanti.” Ao que os coronéis presentes argumentaram: “Sô Zé, si recusar é porque não quer participar.” E ele: “Intão ieu vai juntu com ucêis. Mas disbois num ricrama.” Arrumou a mala. Colocou a gravata E foi.

Zé Abrão, de terno bem passado e gravata quase sempre torta, juntou-se então à comitiva para reclamar de Getúlio Vargas providências na crise do café. Chegando todos, já com audiência marcada por homens de prestígio, foram para a sala de espera do Palácio do Catete. Esperaram, esperaram, foram servidos de cafezinho pela simpática secretária e reverenciados pelo Chefe de Gabinete. Enfim, receberam toda a simpatia de quem quer atender, mas não quer resolver. Até que entra um Deputado, sorridente, dizendo que, finalmente, iam ser recebidos, mas... Tinha havido um imprevisto, Getúlio estava recebendo uma visita inesperada de um diplomata estrangeiro. Ao mesmo tempo, uma crise nos quartéis exigia sua atenção imediata e, conclusão: Quem iria recebê-los era o Ministro do Interior, pessoa de alta posição, muito respeitado por Getúlio e cuja opinião seria definitiva para as decisões que seriam tomadas no caso. Todos se levantaram, dirigindo-se para o corredor que levaria ao gabinete do Ministro. Todos, menos Zé Abrão.
Quando já iam sair, alguém viu o Sô Zé, plantado na cadeira e pensaram que ele não tinha entendido a conversa: “Sô Zé! Vamos. Por aqui.” E Zé Abrão não se mexia. “Sô Zé! Vamos ser recebidos pelo Ministro!” E Zé Abrão continuava parado, apenas resmungando: “Ucêis bódi qui vai. Ieu fica.” E plantou-se na cadeira com as pernas abertas, segurando a bengala. “Mas Sô Zé, você disse que vinha com a gente. Não vai voltar atrás agora...” E ele: “Ieu num vai.” E os amigos argumentavam: “Mas por que, Sô Zé?” Ao que o turco velho retrucou: “IEU VIM FALÁ BRÁ DEUS. IEU NUM VIM BROSEÁ COM SÃO PEDRO.” E mesmo custando a entender o que aquele senhor dizia com o sotaque enrolado, eles compreenderam. Estavam sendo enrolados pela assessoria de Getúlio. Pensativos, voltaram a se assentar e o chefe da comitiva disse: “Agradecemos muito a atenção do Sr. Ministro do Interior e prezamos muito sua receptividade, mas se não pudermos falar com Getúlio, vamos voltar. Passado o primeiro constrangimento e decorridos mais alguns minutos, Getúlio Vargas recebeu pessoalmente a comitiva e, dizem, atendeu às suas reivindicações. E o Sô Zé, ou Zé Abrão, voltou para casa, saudado pelos seus companheiros como o grande herói da viagem.

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