segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Santa Rita, no tempo dos grandes Festivais


No início dos anos 70, o Brasil vivia um período político altamente conturbado. Em plena ditadura militar, o país era governado pelo temido General Garrastazu Médici, considerado um capeta com carinha de vovô. No auge da repressão e sem direito de manifestar-se livremente as pessoas buscavam, nas expressões artísticas, uma forma de transmitir seus protestos contra o regime vigente. Nesse contexto, surgiram diversos eventos musicais pelo país que eram visivelmente inspirados no “Festival de Música Popular Brasileira”, exibido pela TV Record. Um deles, o FEME, foi criado em Santa Rita do Sapucaí por membros do Grêmio Estudantil da Escola de Eletrônica e tornou-se um dos mais importantes festivais de Minas Gerais.
Quando surgiu o “Festival de Música Estudantil”, o presidente do Grêmio chamava-se Miguel Farbiah. Consi-derado um grande pianista e membro de uma orquestra de renome no Rio de Janeiro, o descendente de libaneses foi um dos mentores do evento e seu piano – doado à ETE após a sua formatura - permanece na instituição até os dias de hoje. 

Inicialmente, o evento acontecia no Teatro Sinhá Moreira (ETE) e tinha sua capacidade máxima (984 lugares) completamente esgotada pelo público formado por estudantes, intelectuais, músicos e pela juventude da época. Depois de algum tempo, algumas poltronas acabaram danificadas e a direção da escola proibiu que as apresentações acontecessem dentro do recinto. Desde então, o FEME passou a ser produzido em um campo de futebol, nos fundos da instituição e, quem esteve por lá, diz que nunca passou tanto frio na vida. “O evento era ao lado do Rio, em pleno inverno. O frio era intenso e muita gente acabava no pronto-socorro.” – conta Vera Lúcia Martinez, uma das participantes do Festival.
No decorrer das edições, os prêmios foram aumentando e, consequente-mente, a qualidade das músicas também foi crescendo. Com isso, músicos profissionais de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte começaram a desembarcar no pequeno ponto de ônibus da cidade, para apresentar suas composições. Isso, porém, não impedia que o palco fosse alvo de protestos ou intervenções irreverentes. Um dos candidatos ao prêmio, o estudante Morcegão, teve a brilhante ideia de cantar com uma tampa de privada no pescoço e um guarda-chuva na mão. Sua canção, era mais ou menos assim: “Era uma vez um guarda-chuva que casou com um passarinho. E desse casamento, deu-se à luz um morceguinho.”

A cantora Sylvia Maria que tornou-se reconhecida por suas apresentações no Programa Almoço com as Estrelas, da TV Tupi, foi uma das artistas famosas que vieram competir. Ao lado de seu marido, o pianista Adylson Godoy, a artista foi ovacionada por uma multidão de jovens e se emocionou muito ao interpretar uma de suas canções. 

Muito bem organizado, o FEME convidava personalidades locais para participar do julgamento e convocava algumas das moças mais belas da sociedade para cuidar do cerimonial. Duas delas, as jovens Jussara Mendes e Vera Lúcia apresentaram o Festival por alguns anos e ainda são lembradas por quem viveu aquela época tão especial. 
Vera Lúcia Martinez conta que, anualmente, inscrevia dois conjuntos vocais no Festival. Um deles havia sido montado para as festividades dos 70 anos de Dona Maria Hespanha Martinez Del Castilho e foi batizado de “Ramalhete” pelo ex-ministro, José Francisco Rezeck. Sua outra banda contava com os instrumentistas pousoalegrenses Cezinha, Didu e Otávio Meyer, além de seu amigo Bruno Matragrano. “Edmundo Pereira, o baixista da banda, destacava-se por sua incrível habilidade musical e viria a ser pai de Luiz Schiavon, o tecladista do RPM, além de matricular dois de seus filhos na ETE FMC.”

Com o passar dos anos, este modelo de evento acabou perdendo a força que obteve no final dos anos 60 e os festivais que surgiram em seguida jamais tiveram a mesma força. Contudo, ainda restam as lembranças, relatos e fotos de uma época em que a música ainda não era monossilábica e que o “faça você mesmo” era a palavra de ordem entre jovens que não podiam contar com a internet para divulgar seus trabalhos.

(Agradecemos os depoimentos da amiga Vera Lúcia Martinez para produção desta matéria.)
(Por Carlos Romero Carneiro)

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