segunda-feira, 25 de março de 2013

Escola Baudino ou Seminário São José - Lembranças de um casarão demolido (Ivan Kallás)


Lembranças de garoto

Ao ver, no Grupo de Santa Rita do Sapucaí (na internet), uma reportagem sobre as casas antigas da Avenida Delfim Moreira, minhas lembranças se atropelaram. Fiquei pensando se a demolição de casas velhas não está fazendo nossas vidas e cidades perderem o sentido. Para refletir sobre o tema, tomei a liberdade de copiar frases de meus amigos internautas: 

Rita: Hoje, encontramos várias caixas com fotos antigas. Filosofamos a respeito. Eu não conheci o Seminário São José e fiquei ciente desta realidade. Mesmo que não esteja fisicamente visível, ficou a lembrança sua e, agora, várias pessoas tomam conhecimento desse passado. Novos valores, nova é-poca. Fiquei feliz em conhecer o Seminário. Obrigada! 

Elisabeth: Então este Colégio era ao lado da Escola Normal? Me lembro dele, mas deu um branco do lugar. Me digam onde era, por favor. Foi um pecado desmanchar o prédio. Era lindo...

Marizeth Botelho: Era ao lado do colégio. Foi onde a FAI começou a funcionar como faculdade, após o seminário desocupar o prédio.

Vera: Foi a minha primeira escola, aos 7 anos. Fui aluna de D. Dora Baudino. Ia em companhia de meu irmão Gilberto e das vizinhas e amigas Ângela e Nazira.

Yvelise Carneiro: Faz tempo que eu tava querendo ver essa foto... adorei!

Maíza: Cidade estranha que destrói ou abandona suas velhas casas...

Ila: Realmente, não conseguimos preservar a nossa história!

Zoh: Esse é um mal do brasileiro: não preservar sua história e não dar valor ao seu passado.

Mariana: Estou em Santa Rita e hoje passei em frente ao cinema. O prédio está no mais completo abandono. Isto é péssimo. E nós, o povo, assistimos passivamente.

Ivan: Eu me recusei a vender meus 2% na Casa do Zé Abrão para as lojas CEM, depois que me disseram que era para “tombar” no chão e construir um barracão. Mais de 70% dos parentes condôminos me acompanharam. Exemplo é o filho do Manezão que adquiriu e está preservando uma das casas históricas da praça. Da mesma forma que o irmão preservou o hotel. 

Daniel: Vi que os presos estão pintando o prédio do cinema. Quanto à preservação de prédios particulares, creio que o maior problema seja que isso depende do proprietário poder e querer preservar. Mesmo quando há o tombamento, compete ao proprietário preservar. E o Município, infelizmente, não tem como desapropriar e preservar diversos prédios. 
Estimulado por esta prosa, meu editor deseja lembrar pedacinhos desta história e de nossas vidas. Como tenho juízo, obedeço:

Lembro-me que brincávamos no pátio do Colégio das Baudino, depois Seminário São José. Brincadeiras saudáveis. Garrafão, chicotinho queimado, gude, pique e até jogos de futebol e vôlei. Sob os olhares vigilantes, primeiro das irmãs Baudino, depois dos padres redentoristas. Acho que o recreio das meninas era ao lado da Escola Normal e o dos meninos, do outro lado.
Entre o seminário e a casa de Da. Adélia, justo na linha da cerca, havia um enorme eucalipto. Era preciso três ou quatro pessoas para abraçar seu tronco. Um dia, resolveram derrubar, pelo risco de cair nos telhados. Foi uma epopeia. Três homens se revezando no machado, enquanto estudantes curiosos se revezavam em espiar pelas janelas, do refeitório no 1º andar, das salas de aula no 2º andar, ou do dormitório no 3º andar. O pátio fora interditado por segurança. 

Serra pra lá, serra pra cá, dois dias e nada. Então, amarraram cordas no topo, puxaram daqui e puxaram dali. Uns dez homens e nada. Quem passava na rua ouvia o barulho e ajudava a puxar a corda. De vez em quando, uma arrebentava e todos caíam de bunda no chão. Era a maior algazarra. Cortavam mais fundo até que craaacccc. Madeeeiiiirraaaaa. Gente correndo, uns para longe, outros para ver tudo de perto e a árvore se abateu no pátio, com longo gemido e estrondo seco. Jazia entre o prédio da escola e a casa. Exatamente onde devia cair. Provavelmente, virou taco de assoalho, moirão de cerca, lenha ou algo mais. Quem viu, passou meses contando a história. 

Posso testemunhar alguma coisa sobre este prédio onde passei dos 7 aos 12 anos, com breve intervalo. Dois pedaços de vida, cuja memória se perde na infância e que as fotos e causos vão me fazendo recuperar aos poucos. 

Maíza foi mais feliz. Aos 6 anos, exigiu acompanhar os irmãos à escola. Fiz o mesmo. Mas minha mãe me convenceu a aguardar até os 7 anos. Dizia que éramos amigos inseparáveis e que eu devia ficar com ela. Escola era ruim, os maiores batiam nos menores. Tinha que crescer primeiro. Enfim, fui subornado com aquelas conversas que toda mãe conhece tão bem. Certo... mas da merendeira não abri mão, junto com a promessa de ser reabastecida todo dia. Pelo menos na primeira semana aconteceu. Na suposta hora do recreio, tomava um lanche no intervalo entre uma peraltice e outra. Depois, acabei esquecendo até que, no ano seguinte, me tornei aluno das Baldino, por 3 anos. 

Levava pito das professoras, apanhava dos mais velhos quando não dividia a merenda. Eles, então, jogavam tudo no chão e pisavam em cima ou enfiavam dentro das calças e esfregavam sabe-se lá onde e depois devolviam dizendo: agora come. Claro que ficavam com tudo. Enfim, aquela vidinha de interior que, de vez em quando, era adoçada por uma menina vendendo doce de leite numa bandeja. Poucas vezes tínhamos dinheiro para comprar. Ali, fiz meus primeiros amigos e colegas fora da colônia árabe e conheci vizinhos da rua da cadeia de que já não me lembro dos nomes. 

A escola das Baudino logo fechou e alguns alunos foram transferidos para a Escola Nossa Senhora de Fátima. Fiquei algum tempo ali, fazendo 4º ano e metade do admissão. Outros amigos, outras histórias. Encontro com muitos até hoje. No lugar das Irmãs Baldino veio o Seminário São José. Padres Vilaça, Márcio, Edson, Irmão José, etc. E daí mais um pedaço de memória.

Quando meu irmão mais velho foi estudar em Campinas, começou a enviar recados. Não gostava nada de lá. Dizia que, se meu pai não fosse buscá-lo, ia beber tinta de caneta ou ficar sem ir ao banheiro até entalar e morrer. Ia pular da escada, jogar pedra nos professores... Meu irmão reclamou até meu pai buscá-lo. Eu queria ir no lugar dele. Mas não fui.

Meu irmão do meio resolveu ser padre. Conversou com o Padre Recrutador que o aceitou. Começou a orientação. Começou a rezar toda hora e a ajoelhar em grão de milho. Vovó ficou extasiada com mais um padre na família e mamãe, convencida de sua santidade, preparou o enxoval. No dia em que veio o padre para buscá-lo, desistiu. Se escondeu debaixo da cama. Depois no quintal. A seguir, correu mundo afora. Se escondeu num mundo do tamanho de uma pequena cidade. Foi um escândalo doméstico.

Surgia a minha chance. Afinal, fila era fila. Perdi a primeira, a segunda, a terceira. Agora não ia deixar escapar, não importa o que fosse. Seria padre, capeta ou artista de circo. Morar na roça? Morar com a tia rica? Viajar? Não interessava o quê. Era minha vez! A fila tinha que ser respeitada. E, assim, batendo o pé, xingando e exigindo direitos, fui para o seminário com 11 anos sem nem saber o que ia fazer lá.

Novos colegas, nova perspectiva de vida. Poucos eram de Santa Rita. A maioria era das cidades vizinhas. O Seminário era a forma com que a maioria dos meninos pobres conseguia estudar e tinha fama de bom ensino. Estava quase sempre cheio de jovens, a maioria fingindo santidade. Todos sonhavam em ser papa. Papai, aliás, dizia para os amigos: “Não vai ser padre. Vai ser bispo.” E aí fui estudar interno, mais uma vez, no velho prédio, onde recebia frequentes visitas da família. Os fins de semana passava em casa.

Para nós, a melhor atividade era espiar, pelo vão da cerca, a ginástica das meninas da Escola Normal. Era tudo muito rápido, para não ficar de castigo. Do outro lado, a casa de Da. Adélia, logo ao lado do pátio de recreio. Coitada. Devia sofrer com a bagunça, grita-ria e invasões para roubar frutas, flores ou pegar a bola. No fundo do colégio, uma imensa várzea onde caçávamos rã, matávamos cobra e onde ficava o nosso campo de futebol emprestado. 

Ao final do curso, com o prédio precisando reformar, o Seminário mudou-se para Curvelo, junto ao Santuário Redentorista. Pouco antes, já tinha tomado bomba nos estudos e sido transferido para Congonhas, onde tomaria mais uma, aos pés dos profetas de Aleijadinho. Lá, recebia visitas da família, dos amigos de meu pai e até da Dona Sinhá. 

Do Seminário São José restou apenas o casarão vazio que, após servir como primeira sede da FAI, foi demolido e cedeu espaço à modernidade. Com ele, mais um pedaço de nossas vidas se apagou ou perdeu razão de ser.

Não sei se o editor e o leitor querem saber de nossas vidas, do prédio ou de ambos. Tanto faz. Vou misturando um assunto com outro e deixo os detalhes para outro dia. Hoje, permaneço nas casas velhas e recordo como passamos ou fomos parar lá. Apenas lembranças e fatos esparsos, costurados quase sem ordem, nesta crônica sem pé nem cabeça. Como nossas vidas que perdem sentido, toda vez que tombam uma árvore, derrubam uma casa ou um amigo se vai. 

Oferecimento: Maria Bonita

6 comentários:

  1. Bela redação-explanação e exposição própria de Ivan Kallás.1

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  2. Obrigado Mariana.
    A saudade ajuda a dar uma cor às lembranças.
    ivankallas@oi.combr

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  3. Belas lembranças, fui interno de 1958 a 1960, foi um tempo muito bom.
    José Hamilton Gomes , São José dos Campos SP
    gomesjha@gmail.com

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  4. Tbm fui interno de 58/59 tenho muitas saudades da época ...

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  5. Sou Daniel Morais filho do saudoso Morais do Colégio Sinhá Moreira, vivi minha infância ao lado desse casarão, pois morávamos em uma casa que ficava dentro do Colégio Sinhá Moreira, muitas lembranças me passam na cabeça ao ver estas fotos e comentários, o que lembro é que ele vivia cheios de alunos da INATEL e na sua frente sempre estavam cheios de garotas que ficavam lá paquerando os alunos, e quem tomava conta do casarão, servia alimentação aos alunos e morava era a Dona Joana (merendeira da Escola Dr. Luis Pinto de Almeida) e o Sr. Onofre (marido)com sua família. Seu quintal era cheio de laranjeiras, bananeiras e com criações de galinhas e gansos. Minha família era muito amiga de seus filhos Carmem, Donizete, Rita, Denise e João. Depois que se mudaram outras famílias viveram nesse local para tomar conta, até que um dia foi demolido para construção de novas casas. Me lembro até hoje as máquinas derrubando aquelas paredes que guardaram muitas histórias e momentos felizes em nossas vidas.

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  6. Antonio Silvestre Leite
    Estive neste Seminario no ano de 1958.Tenho muitas lembranças do Pe. Márcio, Villaça, Edson e irmão Jose.Pe. Márcio Carvalho coicidentemente foi o celebrante de meu casamento que se realizou em 1973...

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