quarta-feira, 24 de abril de 2013

Aventuras de uma míope (Por Maria Luíza Cássia Matragano)


Custou-me aceitar a miopia. Na escola, escolhia sempre os lugares da frente para conseguir ler e transcrever nos cadernos as lições do dia. No início, nas brincadeiras, nos jogos, só percebia as bolas quando já estavam sobre mim, mas achava que com todo mundo era assim. Perdi amizades, flertes, namoros e, talvez, até casamentos por ser míope. Sério mesmo, eu não enxergava os acenos ou piscadelas, os sorrisos e os chamados dos bonitões que queriam me paquerar. Frequentava bailes no Clube, mas só dançava com aqueles que chegavam até mim e faziam o convite: “Vamos dançar”?
Meu pai também era míope, mas usava óculos de grau e deve ter notado que eu lia ou devorava livros com o nariz bem próximo do papel. Assim, me levou de trem a Campinas, maior centro oftalmológico do país, na época. Voltei de lá com um belo par de óculos e uma vergonha imensa de usá-los. Na escola, vá lá. Mas não praça? Nunca... e assim continuei. 

Consegui um namorado. E agora? Como fazer para nos encontrarmos? Combinamos o horário e o local. Até ali deu tudo certo e namoramos sério. Tudo ia bem até que, um dia, passei por ele na rua e não o vi. Lógico... eu sou míope e estava sem os óculos. Foi o fim do namoro.

Arrumei outro namorado. Até que era bonitinho, com olhos azuis. Ele gostava de animais e sempre passava perto da minha casa com um lindo cavalo branco. Parava, descia do bicho, conversávamos e nos dávamos muito bem. Tudo corria às mil maravilhas, até que ele veio a pé, sem o cavalo branco e eu não o reconheci. Ele não entendeu nada e eu, por vaidade, não disse que era míope e ele também se foi. Outro namorado que tive só usava camisa xadrez. No dia em que resolveu botar uma camisa de cor lisa, eu não o vi e ele achou que eu o tinha ignorado.

Eu trabalhava no escritório do meu pai, em uma escrivaninha antiga e grande, daquelas com uma tampa móvel de madeira. Um dia, levantei a tampa e lá estava o mais lindo peso de papel que eu já tinha visto. Só quando fui pegá-lo foi que eu notei que era um sapo de verdade e tomei o maior susto. Coisas de míope.

Os passeios à praia foram memoráveis. Eu colocava os óculos de grau, mas de lentes escuras e admirava a beleza do mar, do céu e da praia. No momento de entrar na água, tirava os óculos, guardava na barraca, caminhava pela areia e adentrava o mar. Quando saía, não enxergava onde estava e sempre me perdia.

No meu casamento, além do nervosismo dos preparativos, a angústia de ser míope. Noiva de óculos? Nem pensar. Na entrada, agarrei o braço do meu pai e sorri para tudo e para todos. As pessoas todas sem rosto. Via apenas as formas e perguntava ao meu pai: “O noivo está lá no altar? Tem certeza?” Meu pai, sempre brincalhão, respondia: “Sei não. Também sou míope.”

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