sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Cônego Carvalhinho e a cruz da virada do século

A Segunda Guerra ainda não dava sinais de seu término quando a Ditadura inventou aquela bobagem da tal Campanha do Ferro pela Vitória. Eu estava ausente de Santa Rita quando lá se organizou uma festa para arrecadar o ferro, procurando seus organizadores dar a nítida impressão de que a Igreja não tomava parte no movimento. A comissão promotora, os oradores e até os homenageados, estava na cara, não podiam ser católicos. 

No sábado, uma comissão de senhores me procurou. Achavam que os promotores da festa estavam preparando tudo acintosamente. Parecia que não desejavam a presença dos católicos à sua reunião pública, marcando-a coincidentemente com a missa das 10 horas do domingo. Depois de acalmá-las, disse que haveríamos de encontrar uma saída honrosa e marquei um encontro para o dia seguinte, após a missa das 6 e meia da manhã.

À noite, depois de rezar bastante para encontrar uma saída, tive como um “estalo de Vieira” e encontrei a tal saída: Mandaria o Arthur Sacristão buscar uma cruz de ferro que se encontrava guardada na entrada da torre da Capela de São Benedito e, com ela, faríamos uma festa paralela ao ferro para o Brasil. Dou minha palavra que, naquela noite, tive o melhor sono da minha vida. Dormi eufórico, já pensando na surpresa do dia seguinte.

Bem de manhã, o Arthur Pereira trouxe a cruz de ferro e a colocou num andor. Na missa das seis e meia, antes que as senhoras chegassem à procura de uma resposta, avisei o povo: “Irmãos, hoje, excepcionalmente, a Missa das 10 horas será transferida para as 11 e meia. Vamos realizar uma pro-cissão, levando a primitiva cruz da Matriz de Santa Rita. A cruz que presidiu o nascimento da cidade será levada à montanha de ferro pela vitória. Será esta a participação da Igreja Católica à Festa que está se realizando hoje. Nenhum católico pode faltar.”

As senhoras chegaram sorridentes e nem tiveram que me perguntar mais nada. Passaram a enfeitar o andor da Santa Cruz. Antônio Raposo saiu a reunir os músicos da Banda de Música Lira São José e alguns rapazes tiveram a feliz ideia de angariar recursos da população e comprar todo o estoque de fogos (rojões) na Casa A. de Cássia e no fogueteiro da Rua do Queima.

Às 9h45min, ao repicar dos sinos, com a banda tocando e os foguetes subindo, levamos uma multidão para a festa que os gatos pingados pretendiam fazer. Senti e todos sentiram, até eles, que os católicos dominaram a festa. 

Chegando à montanha de ferro, eu dirigi a cerimônia. A festividade passou a ter nítidas cores cristãs, ao contrário do que queriam os organizadores. O Dr. Alcindo Dantas, a quem passei a palavra, fez um rápido discurso, terminando com a expressão de Rui: “Depois disso, nada mais posso dizer...”

Falei também, para finalizar a festa e explicar a minha atitude: “A nossa adesão não é apenas à montanha de ferro pelo Brasil, mas à própria nação brasileira que, como muitas outras, foi vilipendiada pela tirania. A Cruz alteia agora esta montanha como um forasteiro de terras distantes veio colocá-la no topo de nossa primitiva igreja. Trouxe e continua trazendo, há um século, toda a alegria de viver na terra de Santa Rita!”
O Cel Francisco Moreira, de imediato, pediu ao Dr. Elpídio que revelasse aos presentes a sua resolução: A cruz primitiva de Santa Rita voltaria à Matriz onde um dia a plantaram os fundadores da cidade. De bom grado, ele disse que doaria por ela a quantia de 25 contos de Réis à Montanha de Ferro da Vitória. Tudo finalizou com palmas, vivas e mais palmas. 

(Texto retirado da obra “Trem de Manobra”, do Cônego Augusto José de Carvalho.)

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