segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Um santa-ritense no Mercado de Sorocaba

O santa-ritense Antonio e sua esposa, Olímpia.
- Bom dia moça, posso te ajudar? Meu nome é Antonio Pereira. E nós temos queijos meia cura, carnes, salames, azeitonas para petisco e até ervas para emagrecimento. 

- É mesmo? Que delícia tudo isso. O senhor já provou de tudo aqui? 

- Não. Só o queijo que às vezes a patroa me dá. Prefiro comer certinho, para manter a saúde. Tenho 84 anos.

- Nossa!? E ainda trabalha aqui no Mercado Municipal (de Sorocaba)?

- Ah, já faz mais de 15 anos. Na verdade eu trabalho "picado". Tem dia que venho, tem dia que não. A patroa me liga e eu venho. Trabalho porque não consigo ficar parado. E também porque consigo um dinheirinho no final do dia. Tem vez que a patroa me paga R$ 20 ou R$ 30. Às vezes me dá queijos. Eu me distraio e ela me ajuda.

- Mas o senhor é aposentado, não? 

- Sou sim. Já faz uns 20 anos. Não, mais de 30. Ah, não sei. 


- E continuou trabalhando? 

- Eu tinha me aposentado, estava caminhando aqui no Centro, quando encontrei um conhecido que me perguntou: "Antonio, você quer trabalhar?". Eu disse: "Olha, depende" (risos). Aí ele me disse que tinha vaga para um trabalho num prédio ali na rua da Penha. Conheci a patroa e combinamos que eu olharia o prédio para ela. Ficava lá abrindo o portão, fechando. Andando no corredor. Era gostoso. Tinha duas horas de almoço. Tirava meu cochilo.

- E porque saiu de lá e veio para o Mercado?

- Ah, porque a patroa achou que era melhor eu vir pra cá. Fiquei uns 15 anos no prédio. Daí ela fechou lá e falou para eu vir pra cá. Mas eu venho quando dá. Aqui cansa mais que no prédio. E só tenho uma hora de almoço. Mas almoço na casa da patroa, essa é a vantagem. Não tenho gasto. Mas a moça não vai comprar nada?

- Ah, eu compro sempre. Mas hoje vim conhecê-lo. Quero contar sua história no jornal.

- Ah, que bom. O que você quer saber? Sou sorocabano de coração. Nasci em Minas Gerais. Numa cidade chamada Santa Rita do Sapucaí, conhece? 

- Não. Mas deve ser bacana. E como veio parar aqui?

- Meu pai era fiscal da Receita e um tio lhe disse que no Paraná ele iria ganhar dinheiro a rodo. Meu pai acreditou e não perguntou como. Vendeu o que tinha em Minas e seguiu com minha mãe e os oito filhos para Mandaguari (PR). Eu tinha sete anos. Foi lá que descobriu que iria ganhar dinheiro na roça. Ô tristeza! Mas de lá fomos para Maringá, onde cresci, me formei na escola (ensino fundamental) e me casei. Vim para Sorocaba casado e já com sete filhos, três deles casados. Viemos visitar um parente, gostei, tinha dinheiro guardado, então comprei um terreno. Quando voltei para o Paraná, decidi: vou morar em Sorocaba. E mudamos todos para cá. Já faz mais de 35 anos, quando arranjei emprego na antiga Fábrica Santo Antonio. Eu olhava a portaria. 

- Mas então o senhor é casado?

- Sou sim. Há 61 anos. Já fizemos bodas de diamantes.

- Nossa?! Que conquista. Posso conhecê-la?

- Pode sim, vamos lá.

(No outro dia) 

- Essa aqui é minha esposa, Olímpia Pereira. Ela também tem 84 anos. Ela é paulista, de Santa Cruz do Rio Pardo - mas nos conhecemos em Maringá (PR). Tivemos sete filhos, 17 netos e 15 bisnetos.

- E tem uma bisneta nossa que tem 21 anos e vai se casar. Eu tenho chance de conhecer meu tataraneto, se ela engravidar. Eu queria que fosse logo. Para eu ser Tataravó.

- É, a família é bem grande. Quando chega época de festas, a casa enche. Venha conhecê-la. É grande. É nossa. Somos os dois aposentados. Cada um recebe um salário mínimo, cerca de R$ 700. Mais os trocados que ganho lá na banca, para me entreter. Não dependemos de ninguém, graças a Deus. Não tenho do que reclamar.

- Mas se um dia precisarmos, né Antonio? Nossos filhos nos ajudarão.

- É que ela tem a saúde frágil. Por isso é temerosa de uma necessidade.

- Tenho problema no coração. Tenho até um marcapasso.

- Na verdade eu só faço bico lá no Mercado se tem alguém para ficar com ela. Temos uma filha que mora aqui nos fundos que sempre atende a mãe. E quando não pode, uma outra filha fica. Daí eu posso ir lá no Mercado atender a patroa.

- Ele não tem parada. Está sempre arranjando o que fazer. Acho bom se ocupar.

- Antes de vocês chegarem eu estava varrendo a casa.

- A menina vem uma vez por semana e limpa (a casa). Nós mantemos. Quer dizer, o Antonio. Eu não posso fazer esforço. (Silêncio) E sou só cinco meses mais velha que ele (emenda).

- Ficamos os dois aqui sozinhos. Brincamos de quem vai (para o céu) primeiro. Eu sempre digo para ela que sou o último da fila e que, não sei não, ela está cinco meses na minha frente (gargalhadas).

- Eu achei bom a gente envelhecer junto, ter passado tanto tempo juntos. Só que ele fala demais.

- Eu? Ela que é muito quieta (risos). Mas está bom assim. Eu falo e ela escuta.

- E eu escrevo, seu Antonio. 

- Isso. Faça isso. Ah, mas sabe? Outro dia ...


Fonte: http://www.cruzeirodosul.inf.br/

Por Leila Gappy
leila.gapy@jcruzeiro.com.br

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