Estava finalizando a Edição 85 do Empório de Notícias quando senti um delicioso cheiro de carne de porco, que exalava do outro lado da rua. Vinha do bar do Dija, o glorioso Dija Gastronomia, que preparava um lombo com feijão tropeiro, digno dos melhores restaurantes do país.
Atravessei a rua e encontrei no bar um movimento incomum. A freguesia também era um pouco diferente da formada por alguns dos caras mais bacanas da cidade que, diariamente, travam discussões acaloradas sobre Lacerda, Brasil Império e que passam horas tentando lembrar o nome da filha do Getúlio. "Ivete!" - Gritou Djair.
Depois da primeira cerveja, liguei as peças. Notei que aquelas pessoas que não via há tempos, faziam parte de algo que me trazia profundas lembranças. Tratava-se de foliões dos Democráticos que chegavam ao morro do Zé da Silva, o que me fez lembrar do meu pai, do meu avô, do senhor Hugo, do meu amigo Marcelo, da estimada Dona Lydia e de tantas figuras que traziam vida e alegria ao bairro.
O morro nunca mais foi o mesmo sem eles. Tatau estaria fazendo alguma piada entre os boêmios. Meu pai deveria estar correndo de um lado pra outro com fios enrolados nas mãos. Possivelmente, Marcelo estaria acendendo foguetes com uma bituca de cigarro, na esquina do Grupão. Seu Hugo não esconderia o choro.
A rua ficou apinhada de foliões com camisetas pretas, antes do anoitecer. Um carro de som ousou tocar o hino do bloco e vi os olhos de muitos foliões marejarem. Olhei para a janela de casa e vi minha mãe soluçar enquanto Carlos Brejeira prendia os cordões da faixa em um suporte que meu pai deixou. "Está tudo pronto. É só encaixar." - Ele disse.
Quando tocou "bandeira branca" vi aquele morro vivo novamente e pensei: "Por que deixamos que a prefeitura destruísse a nossa tradição?" Entra gestão e sai gestão e vejo o maior patrimônio cultural do povo santa-ritense se transformar em joguete político. Não temos muita escolha. Os tempos são outros. Precisamos de apoio e se decidirmos descer a praça, não teremos suporte porque, para alguns, é muito bom que os blocos desfilem como uma parada militar em uma avenida curta, em frente a arquibancadas de rodeio.
Quando descíamos do morro, era uma diversão para nós. Partíamos da rua mais tradicional e contornávamos o ponto zero da cidade, o lugar mais democrático, a praça Santa Rita. Não foi Castro Alves quem disse que "A praça Santa Rita é do povo, como ó céu é do avião?" Da avenida, não estamos em nosso território. Somos muito mais uma peça no tabuleiro do populismo do que mantenedores de um ritual que poderia perdurar por anos.
Ontem, eu vi muito mais gente madura, do que nova. Este hiato causado pela falta de apoio a uma tradição iniciada por nossos avós e bisavós pode ter feito com que os blocos passassem a respirar com ajuda de aparelhos. Portanto, não posso deixar em branco minha decepção por tamanha insensibilidade de nossos governantes. Não falo dessa, ou de outras gestões em particular, mas de todas, sem exceção. Desde que decidiram deformar nosso ritual em nome de um suposto conforto, o projeto mais genuíno de todos foi condenado. Se não voltar ao que era antes, a tradição vai ser interrompida e quando as futuras gerações olharem para trás e perguntarem porque o carnaval de rua acabou, devem saber a verdade.
Portanto, meus caros, se queremos contribuir para que Santa Rita seja realmente uma "Cidade Criativa", devemos empreender novas ações, mas nunca nos esquecermos da mais tradicional de todas: os nossos antigos carnavais. Saudações Democráticas.
(Por Carlos Romero Carneiro)