terça-feira, 15 de setembro de 2015

Bentinho, Getúlio e a Censura (Por Caio Vono)

Na era getuliana (1930-1945), nos moldes fascistas, a censura política era conhecidamente rigorosa. Nessa época, a bossa humorístico-musical  consistia nas então recentemente inventadas duplas caipiras, sendo a de Alvarenga e Ranchinho uma das que faziam maior sucesso,  em razão de suas irônicas composições sobre os políticos de sua época.  
Em 1937, a dupla Alvarenga (Murilo Alvarenga – nascido em Itaúna-MG/1912) e Ranchinho (Diésis dos Anjos Gaia – nascido em Jacareí-SP/1913) passou a fazer parte do elenco do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, até o seu fechamento, em 1946. Foi lá que a dupla começou a fazer sátiras políticas, que se tornaram um de seus pontos fortes e, em 1938, lançou a marcha Seu Condutor (em parceria com Herivelto Martins, marido da cantora Dalva de Oliveira), ironizando Getúlio Vargas, a qual constituiu o maior sucesso carnavalesco da dupla. Diga-se de passagem que “condutor” era a tradução de Duce (título usado por Mussolini) e Führer (título u-sado por Hitler), sendo uma irônica comparação com o condutor dos “bondes”, veículo urbano de transporte coletivo, na época.   Nesse mesmo ano, Ranchinho afastou-se pela primeira vez do seu companheiro de dupla (simplesmente desapareceu) e Alvarenga, então, convidou Bentinho (José Antonio Vono Filho - nascido em Santa Rita do Sapucaí-MG/1914), para formar nova dupla, gravando com ele, pela Odeon, um disco contendo músicas de sua composição.

Da amizade surgida com o novo parceiro de dupla, Alvarenga convida Bentinho para ser padrinho de batismo de seu filho Delamare Alvarenga, hoje um dos mais conceituados maestros da Alemanha, regente  da Orquestra Sinfônica da Ópera de Colônia.

Bentinho havia saído de Santa Rita do Sapucaí para ir estudar engenharia química no Rio de Janeiro. Primeiramente, ali se hospedara na casa do cantor Nelson Gonçalves, amigo de seu irmão mais velho, Vicente Vono, que também era humorista na Rádio Inconfidência de Belo Horizonte, interpretando o personagem Compadre Belarmino, o primeiro humorista caipira do rádio brasileiro. Posteriormente, Bentinho mudou-se para a pensão do Seu Batista, pai das cantoras Dircinha e Linda Batista, onde residiu até se formar, e dali para a Rádio Nacional foi um passo.

Ao lado de Dircinha e Linda Batista, Emilinha Borba, Grande Otelo, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Aurora e Carmem Miranda, Bentinho figurou, em 1938, no filme Banana da Terra. Nesse filme, Carmem Miranda apresentou-se pela primeira vez vestida de baiana, o que a imortalizaria, para interpretar com o Bando da Lua “O que é que a baiana tem?”, de Dorival Caymmi, que foi lançada em disco, algum tempo depois, com o próprio Caymmi, em dueto com Carmem.

Até então, a dupla Alvarenga e Bentinho vinha tendo muitos problemas com a censura oficial, por suas músicas sátiras políticas mas, em 1939, a questão foi resolvida de um modo curioso: Alzira Vargas, filha do Presidente Getúlio Vargas - que posteriormente viria a se casar com o Almirante Ernani do Amaral Peixoto, futuro governador do Estado do Rio de Janeiro - convidou a dupla para tocar no Palácio das Laranjeiras, numa reunião comemorativa do aniversário do seu pai, em 19 de abril daquele ano. Getúlio, depois de ouvir todas as músicas, inclusive algumas que se referiam a ele, convencido de que eram apenas alusões inocentes, deu ordem para que as composições da dupla fossem liberadas em todo o território nacional. A partir daí, a presença de Alvarenga e Bentinho em Poços de Caldas, durante as estadas de Getúlio – nas quais ele aproveitava para fazer tratamento de ouvido com água sulfurosa num consultório médico que havia no porão das Thermas Antonio Carlos – tornara-se uma constante.
Após esse episódio do Palácio das Laranjeiras, com o reaparecimento de Ranchinho no final de 1939,  Bentinho forma dupla com Xerém (Pedro de Alcântara Filho, nascido em Baturité-CE, em 1911), conservando-se no mesmo gênero caipira - nos áureos tempos da Rádio Piratininga, de São Paulo - e fazendo apresentações pelo Brasil.

Uma coisa, porém, chama a atenção: qual seria a razão pela qual Alzira Vargas teria tanto interesse nos destinos da dupla Alvarenga e Bentinho, com relação a seus problemas com a temível censura getuliana ?

Anteriormente, numa viagem de Getúlio, acompanhado pela filha Alzira, a São Lourenço, estância hidromineral do sul de Minas, o  Compadre Belarmino (Vicente Vono (Santa Rita do Sapucaí- 08.06.1906/19.06.1980), irmão de Bentinho, primeiro humorista caipira do rádio brasileiro, iniciado na Rádio Inconfidência de Belo Horizonte, a convite de Israel Pinheiro, então Secretário da Agricultura de Minas Gerais), apresentara-se para a família do presidente e sua comitiva. Vicente, médico cardiologista e bom cantor de tangos, com sua vistosa estampa e acentuado carisma, granjeou a simpatia de Alzira. Em seguida, veio a ele o convite para integrar a comitiva de Getúlio Vargas (que incluía Alzira), que iria à Argentina em visita oficial ao Presidente Augustin Pedro Justo, daquele país (mandato de 1932/1938). A viagem de Getúlio à Argentina durou de 22 a 30 de maio de 1935, sendo que o governo argentino enviou o navio Almirante Laceguay para conduzir a comitiva presidencial brasileira.  A intervenção de Alzira, motivada por sua admiração a Vicente, salvara o futuro da dupla.

Bentinho, além do Rádio, também atuou na televisão, no programa Som Brasil, da Rede Globo, juntamente com Rolando Boldrin e depois com Lima Duarte. Foi casado com Ruth Salgado Vono, a conhecida  tapeceira Ruth, natural de Cássia-MG, cujos trabalhos, muito apreciados no Brasil e no exterior, decoram, entre outros, a Granja do Torto e o Hotel Aracoara, em Brasília, bem como o Hotel Sheraton, no Rio.

A dupla Xerém e Bentinho, com seus inúmeros sucessos, inclusive carnavalescos, durou até 1960, quando Bentinho mudou-se para Belo Horizonte, onde passou a apresentar o Programa Bentinho no Sertão, na Rádio Inconfidência, até sua aposentadoria. Vicente e José Antonio Vono Fº tinham três irmãs residentes em Santa Rita do Sapucaí: Carmélia, Mariinha e Tereza.

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Um comentário:

  1. Gostaria de entrar em contato com o autor do artigo, pois estou desenvolvendo uma pesquisa sobre a Rádio Inconfidência. Poderiam me passar algum contato?

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